Revista Montanhas Edicao Nº 4 - Agosto 2015
REVISTA MONTANHAS | 23 São passos velozes, como se alguém descesse descontroladamente morro abaixo. Isso faz ofuscar qualquer outra vontade de ir lá fora. “Nada é maior do que o prazer de uma nova descoberta.” Wal- demar Niclevicz Brrrr... Que frio! Engatinho para fora da barraca e percebo que mi- nha mochila, que ficara exposta ao relento à noite toda, está coberta por uma fina camada de gelo. A água do meu cantil, supostamente liquida, está congelada. Antes de tomar uma ducha de água fria no rosto que me ajude a despertar, preparo meu café da manhã: bola- chas, chocolate e chá de ervas. Me debruço sobre as instruções do próximo destino, impressas numa folha detalhando a logística: seguir à margem direta do Arroyo Blanco, em direção nordeste, por cerca de uma hora até chegar em Piedra Grande, onde farei meu segundo acampamento. Enquanto arrumo a mochila para seguir adiante, fico sabendo numa conversa com um alpinista que aquele grupo de rapazes de ontem eram maratonistas que faziam grosso treinamento para par- ticipar de uma ultramaratona. As pessoas que treinam nesta região – vale dizer, a grande maioria estão se preparando para encarar mon- tanhas mais exigentes, como o Aconcágua, a mais alta das Américas, com 6.962 metros de altura. O que não é o meu caso, pois meu obje- tivo está a 4.300 metros de altitude, em El Salto. O sol implacável da manhã adverte que será um dia difícil, de longa caminhada pelas trilhas. Assim, às saias do desconhecido, des- peço-me de Veguitas com um “hasta la vista” e começo a dirigir meus passos para Piedra Grande. Com três quartos do caminho percorrido, a rota segue por uma trilha que se distancia do Arroyo Blanco. Mais acima, o caminho leva até a base de uma gigantesca rocha, tão gran- de quanto um carro e marcada por várias placas em homenagem a montanhistas que morreram na tentativa de conquistar as monta- nhas da região. Ficarei aqui desde que, é claro, tenha espaço no aglomerado de bar- racas amontoadas próximas umas das outras. O lugar é movimentado, repleto de alpinistas, trekkers e turistas – todos a caminho do acampa- mento El Salto, ainda três a quatro horas de distância montanha acima. “Um dia é preciso parar de sonhar e, de algum modo, partir.” Amyr Klink São oito horas da manhã e estou a caminho do meu último des- tino, El Salto. A região recebe esse nome – Salto D’água – por cau- sa de uma cascata que se forma pelas águas do degelo dos Andes e de outras nascentes. Sua base é um imenso mirante, de onde dá para avistar a represa de Potrerillos e a cidade de Mendoza. O local é considerado acampamento base para ascensão aos cerros Plata e Vallecitos. Para chegar lá, será preciso percorrer três horas de trilha batida, pulando obstáculos de enormes blocos rochosos e escorregadio. Por causa desse terreno difícil, à primeira vista nenhum ser humano adi- vinharia que ali existe um lugar chamado “El Infernillo”. Enquanto minhas botas mastigam as pedras soltas da trilha, a pai- sagem vai ficando cada vez mais árida e exuberante. Num determi- nado momento, uma mula cinzenta e magra desce com dificuldade o estreito caminho. O condutor chicoteia vigorosamente o animal para forçá-lo ir adiante, fazendo o coitado caminhar apavorado. Depois de esperar alguns minutos, reinicio a subida. Estou a vinte metros verticais de Salto D’água. Agora há apenas um obstáculo que me separa do meu objetivo final: uma saliência íngreme de pedras soltas. Procuro não cometer nenhum erro, contu- do, embora bem fisicamente, minha preocupação é com dois mon- tanhistas que descem e procuram evitar o declive escorregadio. A salvação, conforme observo, será subir cravando na encosta com as pontas da bota. Após alguns minutos de trabalho arriscado, chego em El Salto – são e salvo. Sento-me agora numa pedra e observo a aldeia feita de casebres de náilon, são umas sete ou oito delas. O lugar impressiona! Dou conta de que escalar as montanhas do Parque Provincial Cordón del Plata não requerem técnicas ortodoxas de alpinismo, mas, por outro lado, exige uma disposição física e disciplinada de buscar objetivos. No meu caso, uma meta não tão virtuosa: apenas o culto a natureza e a experiência enaltecedora da aventura. Jonatar Evaristo Jornalismo de Aventura - www.jonatarevaristo.wordpress.com
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