Revista Montanhas Edicao Nº 4 - Agosto 2015

cor. “El buena parte del anõ son de color verde”, explicou. Avançamos a mais de 70 por hora, o céu está azul e cintilante. Deixo o vento frio que vem dos Andes soprar na minha orelha direta. É suave e a sensação é ótima. Mas não para Peter, que assoa o nariz e vocifera. Parece estar resfriado. Fecho um pouco a janela do carro, deixando apenas uma pequena fresta. Passo então observar a paisa- gem apenas através da janela. Um dos pontos de acesso à Vallecitos é Luján de Cuyo, uma província Argentina de 130 mil habitantes. Por ser uma das maiores produtoras de vinho do país, é comum, ao longo do caminho, encon- trarmos plantações de uva. Como se não bastasse, a região é cercada por uma paisagem de tirar o fôlego. Enquanto eu e Peter conversamos, a estrada antes interminavel- mente reta, passa agora junto de quinas de desertos de areia, arbus- tos espinhosos e tufos amarelos de vegetação. Um grupo de casas marca a aproximação em território habitado. Depois de percorrer toda a estrada principal, entramos numa estrada secundária, de terra, que ganha altitude à medida que avançamos. Agora a viagem se tor- na uma excursão em direção a Vallecitos. Ambos os lados da estrada estão cobertos por uma vegetação rasteira e semidesértica. Vallecitos acolhe todos os anos milhares de forasteiros que che- gam para se aventurar e serve de ponto de partida para uma das mecas do alpinismo e do trekking argentino. Cerros como Vallecitos (5.500m), Rincón (5.300m) e Lomas Amarillas (5.100m) são apenas alguns dos picos que atraem os alpinistas. Agora meus olhos turvados pela emoção se detêm a uma única e tão longamente esperada imagem: a inconfundível cabana do Re- fúgio Mausy, incrustada entre as montanhas andinas. Descemos do carro e, com um solavanco vigoroso, Peter me ajuda retirar a mochila do bagageiro e a leva-la até a entrada do Mausy, onde recostada à porta, está Vanessa – uma mulher de cabelos tingidos de loiro, na fai- xa de 36 anos e responsável pelo refúgio. Ela pergunta se eu preciso de um quarto, respondo que não. Talvez me deleite esta noite com o céu estrelado nas tranquilas pradarias e vales dos Andes. Antes, porém, será preciso superar os flashes de um sol implacá- vel de verão. Retiro da mochila o protetor solar e aplico uma espes- sa camada no rosto, braços e pernas. Inevitavelmente, dou agora os primeiros passos para alcançar o acampamento Las Veguitas, a apro- ximadamente 3.200 metros de altitude. A trilha transcorre sempre às margens do Arroyo Blanco, um emaranhado de águas esbranqui- çadas que correm velozmente sobre um leito pedregoso até chegar a bacia de Potrerillos. Depois de uma primeira subida, consigo ver quase todas as voltas do córrego. A rota me leva para uma paisagem montanhosa e imponente, de tirar o fôlego. Alguns metros adiante, a trilha dá uma guinada para esquerda, serpenteando por um chão de cascalho graúdo até que, finalmente, me leva ao acampamento Veguitas. O local é composto por uma gramínea que cresce sobre um vale verde e pedregoso, de onde é possível coletar água de várias nascentes e fazer ascensões ao Cerro San Bernardo, a 4.150 metros de altitude, ou avançar para acampamentos superiores, como Piedra Grande, a 3.550 metros. Pas- sarei esta noite aqui, cercado por paredões de montanhas. Leve e sem pressa, deito-me agora sobre meu isolante térmico e aprecio o lugar. Ao norte se encontra Cerro Vallecitos; e ao sul, Cerro el Plata, escondido nos ombros do Cerro Lomas Amarillas. O céu está limpo, quase sem vento, de modo que dá para sentir a tranquilidade do lugar. Agora eu preciso descansar, mas por quanto tempo? O desejo irreversível de seguir em frente ocupa minha mente impaciente. Ao avançar um pouco sobre as saliências do acampamento, observo três corredores atravessando velozmente a minha frente. Um deles, com não mais do que uns 35 anos, veste camiseta e short de lycra, óculos escuros e uma bandana azul-marinho com listras brancas. Ele, e outros dois homens, correm sobre a trilha pedregosa que conduz morro acima. Armo minha barraca ao redor de uma “pirca” (cerca de pedras) para me proteger do vento. Tiro então as botas, novinhas, e as deixo ao lado da mochila. Assim que o sol se esconde atrás do cume do Cerro Vallecitos, a temperatura cai abruptamente. Finalmente, anoi- tece. Do acampamento, se avista as luzes da cidade de Mendoza. A escuridão parece envolver os espaços de uma cidade que dorme e que, pouco a pouco, é inundada por um brilho espectral. Desligo, então, a luz frontal presa à minha cabeça e fico enredado no simples prazer de contemplar o lugar. Dias atrás, uma lâmpada nua iluminava o quarto enegrecido e so- litário do hotel. Na tevê passava Discovery Channel e NetGeo. E agora aqui, com uma torrada nas mãos e enfiado dentro do meu saco de dormir, observo através do feixe frágil da minha barraca que lá fora faz muito frio, um frio que, para ser sincero, não é tão perturbador assim. Eu mal me lembro da última vez que vi um céu tão claro como este, turbulento e gélido. Uaaaah! O sono e o cansaço me invadem e fica difícil manter-se acordado. Eu me pergunto se meus vizinhos estão tão empolgados quanto eu. Do lado de fora da minha janela, ouço passos que são exe- cutados por alpinistas que regressam dos acampamentos superiores. Cordón Del Plata A meca do montanhismo Argentino 22 | REVISTA MONTANHAS

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