Revista Montanhas Edicao Nº 4 - Agosto 2015

REVISTA MONTANHAS | 21 abro o jogo: os preços contrariam o meu orçamento de viagem. Só tenho dinheiro para ir e voltar da expedição, sem regalias ou gastos extras. Também não estou para fazer cena, nem para beber vinho. Quem sabe, na próxima vez. Faço as contas do tempo que me tomaria beber outra cerveja, mas, na verdade, as minhas pálpebras, com ajuda das garrafas an- teriores, estão pesadas como chumbo. Me sinto cansado e exausto. “La cuenta, por favor!” Vou dormir, pois amanhã será um longo dia. “Somos o resultado dos livros que lemos, das viagens que faze- mos e das pessoas que amamos.” Airton Ortiz É preciso reconhecer que não será uma tarefa fácil chegar até o meu principal objetivo: Vallecitos, a 2.900 metros de altitude. Serão 80 quilômetros por uma estrada que segue a sudoeste, em direção a pré-cordilheira. Em Vallecitos, os montanhistas têm à disposição vá- rios refúgios com infraestrutura para alimentação, banho e pernoites onde ninguém, ninguém mesmo, vai embora sem conhecer o Refú- gio Mausy, conhecido pelo atendimento excepcional. E foi trocando e-mails com o Mausy que conheci Peter, meu motorista, um mês an- tes de ir para Mendoza. Suponho que a essa altura ele esteja em direção ao hotel. Mas enquanto não chega, fico próximo a recepção, inquieto. Às 7h23 uma camionete tracionada Isuzu cinza estaciona próximo a entrada do prédio. Dá para ver que dentro do veículo está um senhor olhando firmemente em direção ao que será, talvez, seu único cliente: eu. Ele está vestindo jeans e uma camisa azul, usa um colete ver- melho e botas pretas desgastadas. Sua idade é traída por uma cabeça calva e um bigode orgulhoso, sobre o qual uma verruga marca o lado direito do rosto. O homem se aproxima da ampla porta de vidro que abre para a recepção. Entra, olha para mim e, de início, não diz nada. Claro, isso me deixou ainda mais curioso. Será que é ele? A imagem que vejo agora nada se parece com o perfil do homem com barba grisalha e amarfanhada, estilo dirigente sindical, de camisa pólo bordô e com quatro quilos a mais, que tracei três meses antes pela internet. Eu, já impaciente, me antecipo: “Peter?”, pergunto com uma entonação amigável. Ele abre um largo sorriso, estende a mão direita e soletra meu nome: “Jo-na-tar!” Sim, é ele – concluo. Em seguida, partimos. Estou curioso para conhecer Vallecitos, mas o caso hoje é diferente. Diferente em quê? Sabes bem o que quero dizer. Sei que vou sozinho, e nem é bom pensar. Eu poderia ter escolhido fazer uma viagem para França, um país seguro, com turistas al- mofadinhas, arranha-céus, restaurantes e parques, mas trata-se de um lugar artificial. Quero conhecer cidades latino-americanas, com vista para a Cordilheira dos Andes, para a Patagônia, Machu Picchu, Cataratas do Iguaçu e Chapada Diamantina. De outra forma, como poderia conhecer o país em que vivo? Ou, melhor ainda, este continente? Contudo, não foi tão fácil chegar até aqui. Minha namorada, Rosemeri, foi a primeira a protestar e a se revoltar com a minha viagem para Mendoza. Na opinião dela, alguém que tem a ideia de escalar uma montanha acima dos cinco mil metros deveria ser considerado louco. Ela tentou me persuadir e me alertar: “Você pode morrer ou se perder...”. De certa forma, ela tinha ra- zão. Mas observe as pessoas atravessando a rua, é uma loucura também. Talvez tão perigoso quanto escalar uma montanha. A maioria das pessoas que conheço não demonstraram mui- to entusiasmo pelo meu projeto. Em primeiro lugar, existia difi- culdades práticas – como chegar? Foram quase 40 horas de via- gem; embarque e desembarque em rodoviárias; horas de espera e paciência, muita paciência. Como se locomover? Onde ficar? Ainda houve o problema de levar a bagagem com os equipa- mentos. Há! Há! Há! Há! Que escolha! Talvez tivesse me isolado dentro de um quarto de hotel! Isolar-se? Impensável. Ah, deixa esse assunto pra lá. Vamos nos divertir. Saímos de Mendoza a quase uma hora e, após alguns quilô- metros, penetramos num clima mais ameno. Ao meu lado direi- to, o sol compunha a represa de Potrerillos, que abastece a re- gião de Mendoza. Esse “embalse”, como eles chamam por aqui, é uma imensa barragem de águas azul turquesa. Peter conta que, dependendo da época do ano, a tonalidade desse lago muda de

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