Revista Montanhas Edicao Nº 4 - Agosto 2015

REVISTA MONTANHAS | 19 Vim para Mendoza por um motivo especial. Aprendi que ter uma meta é algo positivo, pois a pessoa se dirige para aquele objetivo até alcançá-lo. Entretanto, penetrar num país desconhecido pode trazer muitas surpresas – boas e ruins. Estou aqui na condição de jornalista de aventura e para conhecer o Parque Provincial Cordón del Plata, na região de Vallecitos. Um destino que espero (im) paciente há meses. A região é cercada por uma vasta cadeia de montanhas, que traz no cardápio picos de 3.500 a 5.900 metros de altitude. Mendoza está situada aos pés da Cordilheira dos Andes e se destaca como importante região produtora de vinho e azeitona. A cidade também é repleta de espaços arborizados, onde as pessoas passam o dia caminhando ou sentadas à sombra das árvores. Canais hidráulicos ladeados de álamos formam artérias que cruzam a cidade, permitindo a irrigação e o cultivo, especialmente da uva. A viagem até aqui foi uma excursão por um reino interminável de estrada. Os incômodos durante toda noite – pois saí de Buenos Aires antes do entardecer do dia anterior – me deixou esgotado. É verão e eu estou há dois dias sem tomar banho. O suor acumulado durante esse período me deixou com cheiro de suor velho e azedo. Estou completamente coberto por uma armadura de sujeira. Sento-me para descansar, bebo o resto da água que sobrou em minha garrafa e assisto a movimentação de pessoas na estação de ônibus. Procuro o que escrever em meu caderno de anotações. Olho em volta, vem as primeiras ideias: “Estou em Mendoza e observo os prédios. Eles são altos, estão pintados de branco. Árvores gigantes largam folhas pelo chão. O vento as levam para longe...” Enquanto es- crevo, levo as mãos ao nariz. Cheiram a transpiração. Me distraio com o barulho vindo do lado de fora. Nada mais sai, estou sem inspiração. Deve ser a ligeira fome. Paro por um instante, inclino a cabeça e reparo uma senhora de meia-idade que senta ao meu lado. Ela abre um lenço onde guarda um pão velho e alguns pedaços de mortadela. Dá para sentir o odor do trapo em que embrulha o alimento. Come um pouco e permanece sentada, até o instante em que alguém aparece às suas costas. Ela levanta num sobressalto ao constatar a criatura atrás dela. “Holaaaa!”, falou a criatura. A senhora gira a cabeça em sentido anti-horário, o bastante para verificar que se trata de alguém familiar. Irmã? Sei lá. Imaginei. Se cumprimentam. Eu só observo. Não dá para compre- ender o que dizem – não sou de ouvir conversa alheia, mas fiquei interessado em saber quem são elas. Pura curiosidade. Elas se afas- tam, parecem querer ir embora. A senhora segura a única mala que carrega, ergue com determinação e segue pelo corredor da estação. Em poucos minutos, ela e a criatura se misturam a multidão. Eu ainda não me decidi entre as duas opções possíveis de loco- moção: de ônibus ou táxi? A princípio, penso em ir de ônibus, mas o desconhecimento da região me faz desistir do propósito. Mesmo que soubesse o trajeto, encarar a difícil tarefa de dividir o apertado espaço de um coletivo seria um desastre nas condições em que me encontro. Se não sabem, carrego cerca de 20 quilos de equipamentos para montanhismo nas costas.

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