Revista Montanhas Edicao Nº 4 - Agosto 2015
REVISTA MONTANHAS | 15 São Luís do Purunã, no Paraná. Vias verticais, todas em móvel, conquistadas com um estilo impecável. Tive de reaprender a escalar para poder desfrutar das escaladas do setor, pois estava meio fora de forma na época. Para mim solucionaram-se dois problemas: evoluí muito tecnicamente e encontrei uma parceria que já dura mais de 13 anos! E isso é algo importante para se progredir nas escaladas de grandes paredes – parceria fixa. Pois a sintonia não se adquire imediatamente e temos de estar na mesma vibe do parceiro de cordada para evoluirmos como equipe. Neste ponto já tínhamos os equipamentos, uma técnica apurada para escalada artificial e livre. Aí só faltava acertar a estratégia, que segundo nosso guru, era o mais importante. Pode ser uma comparação tosca, mas o Brasil levou 7X1 da Alemanha, tendo jogadores de um nível técnico parecido aos de seu adversário. Seria normal perder se fosse por um placar menos vergonhoso, mas creio que a estratégia usada foi errônea. Da mesma forma, muitas vezes, ótimos escaladores não conseguem realizar grandes feitos porque usam uma estratégia inadequada, planejam mal e desperdiçam oportunidades. Em 2006 estávamos no camping livre Madsen em El Chaltén, planejando como iríamos escalar o Cerro Fitz Roy. Muitas equipes tinham sido rechaçadas pela montanha que estava coberta por uma camada de gelo. Então, surgiu a oportunidade: a Roberta Nunes, um dos maiores nomes da escalada brasileira, infelizmente falecida naquele ano, vítima de um acidente de carro, conhecia a face oeste da montanha e nos disse que o gelo lá derreteria antes devido aos fortes ventos e que talvez conseguíssemos fazer a repetição da via Afanassief. Com toda a motivação que ela tinha, deixou-nos energizados com esta possibilidade. Montamos nossa estratégia baseados numa curta janela de um dia de tempo bom e outro dia com tempo mais ou menos. Levamos o mínimo do mínimo para poder escalar “correndo”. Sem sacos de dormir, apenas nove friends e dois jogos de stoppers e adentramos o desconhecido. Subimos pelo oeste, vencendo mais de dois quilômetros de via em 36 horas quase ininterruptas de escalada e descemos pelo leste. Nosso equipamento cumpriu o seu papel, nossa técnica permitiu que escalássemos rápido, mas a estratégia fez com que nós e não os americanos (que estavam de mochilas cargueiras) na mesma via, atingíssemos o topo. Comprovando a teoria do Mark Twight. O resumo seria fazer mais com menos. Escalar vias grandiosas com o mínimo de recursos. Porque com a evolução do esporte, começamos a questionar a maneira como são realizadas as grandes escaladas. Não é só o cume que importa, mas como se chega até ele. E nesse fair play usamos menos cordas fixas, menos proteções fixas, mais escalada livre, aprimorando a maneira como escalamos. E o fazemos não para mostrar para os outros, mas para nós mesmos. Para elevar o nosso nível e sentirmos orgulho de nossas próprias realizações. E se um dia, mesmo com todos os esforços, levarmos uma goleada da montanha, o jeito é voltar para o campo, digo, para o ginásio e treinar com mais disciplina, ser mais paranoico com a logística e pensar muito bem na estratégia. Desejo a todos grandes escaladas!
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