Revista Montanhas Nº 3 - Outubro 2014
56 | REVISTA MONTANHAS A gosto de 1988, seis da manhã. O despertador toca. Eu e André Jack nos levantamos rapida- mente e, após um café da manhã caprichado, preparado pela sua mãe, partimos, com pesadas mochilas às costas, repletas de material de con- quista, para a caminhada de 5 quilômetros entre a sua casa e o Morro da Pedreira, o sensacional afloramento rochoso que havíamos “descoberto”menos de dois anos antes. Passamos a manhã inteira escalando sem pressa no Grupo 4, só nós e mais ninguém, abrindo as vias O Fio da Navalha e Zig-Zag, duas das 19 conquistas que fizemos naquela inesquecível semana, e depois voltamos ao Grupo 3 para nos estender- mos preguiçosamente ao sol no gramado entre os íngremes pontões ao nosso redor. É verdade que o Tonico Magalhães, meu amigo de infân- cia, que havia se mudado para Belo Horizonte em busca de melhores oportunidades de trabalho em seu campo de atu- ação, a Geologia, já havia mencionado para mim a existência de “metacalcários interessantes” na região da Serra do Cipó, mas aquilo soara tão abstrato para mim como uma estrela de nêutrons, e logo apaguei da memória. Fui pela primeira vez para lá acompanhado pelo Jack e pelo Marco Antônio Cardoso, o amigo em comum que nos apresentou, em busca de algo bem diferente. O objetivo era as paredes de quart- zito do “Travessão”, na Serra do Palácio, o divisor de águas de duas importantes bacias hidrográficas, a do Rio Doce e a do Rio São Francisco. Para o Rio Doce fluía, a partir dali, o Rio dos Peixes, e para o São Francisco o Rio do Gavião, e segundo Jack, cria da terra e aventureiro nato, mais ainda não um escalador, havia ali grandes paredes rochosas que dariam boas escaladas. A estrada ainda era de terra, e ao chegarmos ao camping da Associação Cristã de Moços (ACM), imediatamente antes da íngreme subida que leva às cidades históricas de Serro e Conceição do Mato Dentro, minha atenção foi desviada à es- querda pelas paredes escurecidas de líquens do que viria a ser denominado como o Grupo 1 do Morro da Pedreira, além de um trecho completamente claro no meio delas, fruto de um corte feito há não muito tempo antes por uma empresa mineradora que, entrementes, falira. Naquele instante meu coração bateu mais forte e eu quis abandonar imediatamen- te o plano original para investigar aquela rocha nova para mim, mas o Jack foi enfático no sentido de que aquilo não era nada perto do que ainda estava por vir. Sendo assim, relutantemente concordei e seguimos em frente. Deixamos o carro num ponto apropriado e fizemos a bela, porém re- lativamente longa, caminhada ao Travessão, com direito a um toró no meio do caminho. Lá chegando, já com o sol bri- lhando de novo, pude apreciar um cenário de grande bele- za, porém pouco convidativo a escaladas, já que as paredes, embora de fato longas, eram pouco inclinadas e, por isso, re- pletas de vegetação. Eu os convenci então a voltar correndo para tentar fazer alguma coisa no Morro da Pedreira ainda no mesmo dia, mas antes fomos dar um mergulho no poço local, com direito a uma boa seção de psicobloc au naturel. Chegamos à base das paredes já bem tarde, e eu ime- diatamente percebi que o meu instinto não me falhara: a qualidade da rocha superava minhas melhores expectativas! Então, movidos pela ansiedade, bem como por um cálculo mal feito de minha parte quanto ao tamanho da via à nos- sa frente (achei que ela teria apenas uma enfiada de corda), resolvemos tentar nossa primeira escalada imediatamente, apesar de já serem seis horas da tarde e eu estar com alguém que nunca nem havia visto uma corda de escalada antes, o Jack, e um espeleólogo bastante fora de forma física, o Mar- co Antônio. Comecei a subir com sofreguidão, como uma criança que se lambuza com um pote de musse de choco- late, mas a corda curta me obrigou a fazer uma parada a 40 metros do chão, logo abaixo de uma laca que mais parecia uma telha de amianto. Dali para cima era fácil, mas desne- O Início da Escalada no Morro da Pedreira no Cipó - MG Por André Ilha André Ilha na conquista de O Fio da Navalha. Foto: André Jack André Ilha na conquista da Chaminé Dom Quixote. Foto: Lúcia Duarte
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