Revista Montanhas Nº 3 - Outubro 2014
REVISTA MONTANHAS | 31 Por Filipe Careli Colunista RevistaMontanhas Ilustrações deMike Clelland C erta vez eu e minha esposa estávamos nos equipando na base de uma via na Urca. Passei para ela o baudrier, a solteira e um mosquetão. Ela me perguntou: “Amor, você trouxe aquele outro mosquetão? O vermelho?” Flores da Montanha E u olhei o mosquetão que havia lhe dado, era novo e perfeito para solteira. Estava limpo, sem queda, não estava agarrando... Perguntei por que ela queria trocá-lo. “O vermelho combina com a cor da fita, este não. Fica mais bonito!” Neste momento você já deve estar pensando que vou criticar, que vou exercer todo o meu machismo e falar quemulheres não são objetivas, que isto é supérfluo, que homem que é homem não vê cor, etc. Mas não é bempor aí. Primeiro, acho lindo ver mulheres escalando! Os movimentos são mais fluidos, mais bonitos, quase uma dança na parede. Quantas vezes não fiz um lance no“ogrismo”e logo após vi uma colega passando pelo movimento com pura maestria. As escaladoras, em geral, têm excelente coordenação motora e concentração, compensando facilmente a menor força muscular. E quem conhece escaladoras esportivas sabe que este papo de menor força muscular é contestável! Além disso, a visão diferenciada que as mulheres têm enriquece muito o nosso dia a dia. Não é simplesmente preto e branco, certo ou errado. Coisas simples como uma combinação de cores podem enriquecer muito uma experiência que geralmente já é tão prazerosa, como uma escalada. E esta visão, além de tornar as coisas mais “artísticas”, com certeza contribui para facilitar leitura de vias e interpretações de movimentos. Vendo por este lado, acho que as únicas desvantagens reais para as mulheres neste nosso mundo de pedra são: Ter que refazer as unhas após cada trip (tirar o magnésio do canto delas não é nada fácil), os arranhões nos joelhos que atrapalham a usar aquela saia, ter uma moda completamente diferente das amigas do trabalho (anorak está super em alta em Paris), sair descabelada nas fotos! E como preparar uma mochila compacta para escalar, afinal as mochilas de escalada não possuem a mesma magia das bolsas femininas com seu espaço infinito. (Um parêntese. Existem dois tipos de escalador: os que levam a casa nas costas e sofremcomopeso e os que não levam nada e passam perrengues, afinal é uma regra estabelecida na montanha: Tudo que você levar a mais é inútil, não será necessário e o que você esqueceu será justamente o que você irá precisar). Brincadeiras a parte, as guerreiras da rocha tem superado muitos desafios, historicamente e fisicamente. Está aí a Invasão Feminina, um dos maiores eventos de montanhismo do Brasil que não nos deixam mentir. O excelente filme Elas na Pedra é outro exemplo. Sempre me lembro de quando comecei a escalar e via os vídeos da Roberta Nunes. Hoje diversas escaladoras brasileiras se destacam em campeonatos, vias, boulder´s e montanhas. Temos Janines, Biancas, Luanas, Flávias, Annas, Alessandras, Mírians e tantas outras. Nosso esporte está cada vez mais feminino e isto é muito bom. E tem que ser feminino mesmo! Porque a mulher tem que ser mulher-macho? É tão melhor ser feminina, delicada. E delicadeza não significa fragilidade. Delicada e bela como uma flor na montanha. Ah, já ia me esquecendo de uma coisa: Eu passei a utilizar o mosquetão vermelho!
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