Revista Montanhas Nº 2 Janeiro de 2014
N ogah teve de retornar a Is- rael, e agora seguimos em três barbudos (Eu, Simon e Forest), rumo ao deserto. Se- riam 1300km entre nós e a cidade de Moab. Apesar do longo trajeto, a via- gem não foi tão cansativa quanto eu esperava. Gasolina barata, estrada lisa como um tapete (sem pedágios), esta- ções de rádio com as melhores trilhas sonoras que já ouvi, eu só precisava manter o carro no rumo sem mesmo pisar no acelerador, que seguia na ve- locidade programada pelo “cruise con- trol”. Deixamos a California, cruzamos o Estado de Nevada e finalmente após 15 horas de boleia chegamos na cala- da da noite em Moab, já no Estado de Utah. Dormimos em algum canto as margens do rio Colorado e reservamos o próximo dia para nos abastecermos com comida e água, antes de partir para a vida no deserto. Estávamos em uma região total- mente diferente da Sierra Nevada, sem florestas, sem granito, mas de uma be- leza única e singular. Enormes forma- ções de arenitos amarelos e vermelhos dominam a paisagem. Por milhares de anos povos indígenas habitavam a re- gião, deixando em suas paredes sinais que atravessaram os milênios. Se fe- charmos os olhos ainda podemos sen- tir a energia dos Navajos, Hopis e Ana- sazis, e sua harmonia com o universo. Indian Creek é o paraíso da escala- da pura em fissuras. Esqueça agarras para mãos e pés, cristais, diques, lacas, chapas... apenas diedros e fendas per- feitas, paralelas, verticais ou negativas, de todos os tamanhos. E é com isso que você tem que lidar. São vias duras, exi- gentes fisicamente, onde as técnicas de entalamento são obrigatórias. Não existem constrições nas fissuras, e isto significa que além da técnica, é preciso fazer força, às vezes muita força! E tudo isso descobrimos na prática... Apesar de apanharmos bastante nos primeiros dias, continuávamos felizes. Tudo é um aprendizado, e es- távamos forçando nossos limites para descobrir novas formas de resolver aqueles problemas. Após alguns dias consecutivos de escalada “à toda” nas falésias, resolvemos descansar. No dia seguinte iríamos escalar uma “desert tower” fácil, a South Six Shooter. Chegar em cima daquela torre no meio do deserto foi uma experiência extraordinária, totalmente diferente de qualquer escalada que eu já havia feito. Aquilo não é uma montanha nem uma falésia, mas tem um cume (muito pequeno), e um visual indescritível. Para nossa surpresa Forest ainda sacou 3 latas de cerveja da mochila para brin- darmos a escalada... Que dia! Baixamos da South Six Shooter, desmontamos acampamento em In- dian Creek e seguimos de volta a cida- de de Moab, onde iríamos abastecer nossos suprimentos e seguir para a próxima escalada: Castleton Tower, em Castle Valley. A via escolhida era a “Kor -Ingalls Route”, de 4 enfiadas, uma das 50 clássicas da América do Norte. Começamos a aproximação de ma- drugada, e aos primeiros raios de sol já estávamos na base da parede. Me en- carreguei de guiar a primeira enfiada em uma chaminé/offwith relativamen- te fácil. A segunda enfiada ficou a car- go de Simon, emuma fenda de punhos larga e trabalhosa. Forest puxou a ter- ceira, que seria o crux da via, um offwi- th duro e extenuante. Grunhiu, gemeu, e passou! Agora a última era minha, em outra chaminé estreita e marota, onde tive a experiência incrível de chegar ao Tocando o chão... Awareness... A vida é uma viagem intensa, uma longa jornada, que nos proporciona vivências, memórias e sensações eterni- zadas emnossamente. Muitas vezes somos levados pelo destino, como as folhas noOutono. Sinto novamente o sabor do mate ao ar frio, o cheiro da floresta, a textura das rochas sob os dedos, a completude de realizar uma linda escalada, as paisagens de encher os olhos, as noites deitado junto aMãeTerra coberto por milhares de estrelas, o uivo dos coiotes sob a lua cheia, as pessoas únicas que conheci, deixando um pouco de si, e levando um pouco de mim... Quandominha grande viagem realmente acabar, são estes momentos que carregarei comigo emmeu voo pelos ventos. 70 | REVISTA MONTANHAS Canyonlands - Foto: Andrey Romaniuk Castleton Tower - Foto: Andrey Romaniuk
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