Revista Montanhas Nº 2 Janeiro de 2014
REVISTA MONTANHAS | 67 drey Romaniuk S igo dirigindo pelas belas estradas da California rumo a um vale mítico, quando de repente uma placa luminosame chama atenção: ”Yosemitepark is closed”. O astral daquelas paragens é tão espe- cial que não me preocupo demasiadamente com aquele aviso. Meu plano era de passar o mês todo naquele lugar, mas na verdade não tinhame dado conta do tamanho das coisas que estavam por trás daquela mensagem, e o que aquilo implicaria emminha jornada. Ainda faltam uns 100km para adentrar o vale, quando paro em uma cabana de informações turísticas. A pessoa me informa que todos os parques nacionais dos EUA foram fecha- dos hoje, por motivos políticos que não compreendi bem na- quele momento. Decido seguir até a entrada do parque para ver o que está rolando. Mesmo os Rangers pareciam não entender direito a situa- ção, e me deixam adentrar o parque, orientando-me a seguir até o camping o qual eu havia reservado e lá permanecer aguardando por mais orientações. O ambiente naquele lugar mágico onde morei por um mês no ano de 2012 estava bem diferente desta vez. Poucas pessoas, campings vazios, estabe- lecimentos fechados e os poucos presentes meio atordoados sem saber o que fazer. Mas eu sabia muito bem... só queria viver a vida, escalar, e tinha o vale todo sem crowd! Conforme combinado, ao fim de tarde meu amigo vete- rano Joe LeMay aparece no camping Upper Pines. Com ele veio também o Adji, um comparsa brazuca que mora em L.A., professor de yoga, que está descobrindo a magia da escalada. Já tínhamos um objetivo para o outro dia... Royal Arches, 480 metros divididos em 16 enfiadas. Eu já havia escalado esta via no ano anterior, e sabia que apesar de longa poderíamos terminá-la rápido, minha úni- ca preocupação seria Adji, que eu não conhecia muito bem, e o detalhe que estaríamos escalando em três. Já no início puxamos as 4 ou 5 primeiras enfiadas em solo, até o trecho mais empinado da parede, e minha preocupação com Adji desapareceu instantaneamente. Apesar de escalar há pouco tempo, o mestre yogi obviamente possui uma consciência corporal suprema. Escalada de pura alegria, subíamos desfru- tando a parede, abastecidos por toda a energia que aquele lugar nos fornecia. Aomeio da tarde já havíamos retornado ao camping, quando ficamos sabendo que no próximo dia todo mundo deveria deixar o parque. O clima de dúvidas era ge- ral. Ninguém sabia se este fechamento iria durar muitos dias, ou o que estaria para acontecer. Isto nunca havia acontecido na história dos EUA. Eu seguia apenas vivendo a vida, um dia de cada vez, e nada poderia me aborrecer sabendo que ain- da tinha praticamente ummês de tempo livre e todo o Oeste Americano para explorar. O prazo era este: Quinta-feira até às 15hs todos deveriam sair. Muita gente apostou nos BigWalls e zarpou para as pare- des com suprimentos para alguns dias, na esperança de que o parque reabrisse até o término da escalada. Ainda assim fo- ram intimados pelos megafones dos Rangers a descer imedia- tamente. Ninguém obedeceu... Quem ficou em terra firme não tinha escolha. Joe e Adji voltaram para suas casas, e eu segui minha jornada rumo a parte alta da Sierra Nevada, onde queria escalar algo mais sel- vagem. A estrada que cruza o parque de Yosemite é indescri- tível. Domos de granito polidos pelo tempo, lagos azuis surre- ais e milhares de árvores centenárias transmitiam a sensação de completude à minha alma livre. Decidi seguir rumo a Lee Vining, uma pequena cidade no lado leste da Sierra, às margens do Mono Lake. Lá entendi um pouco mais sobre a dimensão do fechamento do parque, que na verdade era um “shutdown” do governo americano, e que todos os serviços federais estavam paralisados. Isto significava que não só o Yosemite estava fechado, mas todos os parques nacionais eoutros serviços administrados pelogoverno federal, que também incluía campings emdiversas outras localidades. Seguindo recomendações do guia de escaladas da High Sierra, encontrei um lugar para acampar, relativamente isola- do e grátis, às margens do enorme lago salgadoMono Lake. A cidadezinha de Lee Vining estava repleta de escaladores “des- pejados” do vale que procuravam por outras paredes, e não seria problema encontrar parceria. Assim conheci um simpá- tico casal do Equador que estava nessa mesma situação. Es- teban Mena e Carla Perez seriam meus parceiros, e havíamos decidido escalar oMt. Conness, com3855metros. A rota esco- lhida foi aWest Ridge (450m), considerada pelo lendário Peter Croft como uma das mais belas vias da High Sierra. Seguindo o bom estilo alpino iniciamos a caminhada de aproximação muito cedo. Após 4 horas de caminhada por campos verdejantes, lajes de rocha, neve, morainas, e descida por grotões chegamos a base da imensa crista oeste da mon- tanha. Durante a aproximação meus pulmões trabalhavam como loucos devido a altitude, enquanto os amigos Equa- torianos pareciam passear no parque. Também, estávamos praticamente à altitude de Quito, e Esteban havia escalado alguns meses antes nada menos que o Everest, sem oxigênio! Para mim, ainda vinha a escalada... Não sei o que tirou mais meu fôlego, se foi somente a alti- tude ou a beleza indescritível da via. Seguimos escalando em simultâneo por aquela magnífica crista de granito amarelado, onde a sensação aérea era total com abismos vertiginosos em ambos os lados. Meu mantra “inspira, expira, escala” repetiu- se por 2 horas até atingirmos o cume. O visual era espetacular, com um céu azul coroando as diversas montanhas de Tuo- lumne Meadows e o distinto Half Dome partido ao meio, lá ao fundo. Dias como estes são verdadeiramente mágicos. Quando provamos das famosas palavras de Messner: “ Mas os dias que estes homens passam nas montanhas são os dias em que realmente vivem... ” Desprendimento...
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