Revista Montanhas Nº 2 Janeiro de 2014

meados dos anos 80. Quando o vi abrindo as pernas no chão, logo percebi... “Humm, isso deve ser bom para escalar”. Na época fazíamos muitas escaladas que usavam pernas e pés. O sistema de treinamento melhorou apenas quando sur- giram os muros de escalada nos anos 90, e foi evoluindo ano após ano. Hoje a maioria dos brasileiros que escalam vias de décimo grau usam sistemas complexos de treinamento e per- ceberam que sem treino pesado e adequado, praticamente não existe evolução. Mas as lesões aumentaram na mesma proporção, às vezes se tornando sérias, como as de ombro. Entretanto, essa história de treinamento não é igual para to- dos, e aqui comparo o Helmut Becker e o Luis Claudio Pita, que são dois extremos. O Pita passou a maior parte da vida escalando e tinha (tem) uma força natural nas mãos impressionante. Sua dedi- cação era quase que integral para a escalada, mas nunca foi metódico, simplesmente escalava quase que a semana intei- ra, até conseguir ser o primeiro brasileiro a escalar um déci- mo grau (Xa), em 1993, a Southern Confort. O lado oposto e contrário a tudo isso era o Helmut, que estudava educação física e era extremamente metódico. Treinava regularmente e se alimentava de forma adequada. Não bebia, não fumava... Criou um treinamento exclusivo para poder encadenar o pri- meiro Xc (5.14), a Coquetel de Energia, aberta por ele e o Pita em 1996. E conseguiu em 1998. Por causa desse êxito, fez sua monografia de final de curso em Educação Física. Quebrado esse mito, logo depois outros escaladores conseguiram en- cadenar essas vias, mas ainda existiam poucas escaladas de décimo grau no Brasil, o que melhorou apenas na década de 2000. Hoje existemmuitas, incluindo vias de XIb confirmadas. Obviamente temos hoje muitos escaladores que se en- caixam em um desses dois perfis, ou em outros diferentes que eu ainda não consegui diferenciar. Mas o importante a ser destacado é que não existe fórmula mágica para todos, o que existe é vontade própria, objetivos de vida, aptidão na- tural e filosofia. Há muitas formas de treinamento, cada um deve escolher a que mais agrada e existem pessoas que nem precisam treinar, bastando apenas escalar com certa frequên- cia vias previamente planejadas. Porém, o aprimoramento da técnica sempre tem que vir primeiro, é desagradável ver es- caladores fortes e sem técnica escalando. Falta para eles uma coisa básica, a filosofia da escalada, que se resume em: sentir um enorme prazer no final de um bom dia de escalada; se di- vertir e rir muito com os amigos na montanha ou na falésia; ver a vida fluir sem se preocupar muito em ter que escalar sempre as vias mais difíceis; escolher vias bo- nitas e agradáveis como diversão, para que a escalada flua. O verda- deiro escalador sente prazer subin- do qualquer tipo de escalada, de blocos às vias em grandes paredes, de aderência à tetos, conhece as técnicas de escalada e não fica arru- mando desculpas, mas aceita suas limitações físicas naturalmente. A Fase de Amadurecimento Outra forma de medir a evolução da escalada é o amadurecimento da comu- nidade. Nos anos 1980 não havia pessoas de 40 anos de idade escalando bem vias de VI , ou melhor, era raro en- contrar escalador ativo nesta faixa etária. A mentalidade da sociedade era outra, você era taxado como velho an- tes mesmo de completar 50 anos. Todos pensavam que escaladores eram pessoas certinhas, os clubes eram muito tradicionalistas, comportados, mas a partir de meados dos anos 80 começaram a formar as turminhas de maconheiros dentro dos clubes, e por coincidência, apenas isso, eram sem- pre os melhores escaladores! Mas que paradoxo, você não acha? Se você fosse fortinho, diriam que você era marombei- ro, se fosse magro e tivesse cabelos longos, era chamado de maconheiro... Ou seja, você era taxado como marombeiro ou maconheiro, os que sobravam viravammauricinhos. A verda- de é que sempre tivemos excelentes escaladores marombei- ros, maconheiros e mauricinhos, todos no mesmo nível, isso não faz a menor diferença para o esporte. E neste universo foi forjada nos anos 1980 a geração mais importante da escalada do Rio de Janeiro, e o núcleo princi- pal continua ativo, alguns não perderam o ritmo e hoje estão com idades variando entre 48 e 55 anos, como é o caso do Sérgio Tartari, que continua puxando o limite extremo de vias em grandes paredes. Encontramos também escaladores na faixa dos 50 anos escalando X grau, como é o caso do André Godoffe. Podemos ainda afirmar que na média, os melhores escaladores brasileiros tem entre 35 e 40 anos, com alguns en- trando no desvio padrão para cima e para baixo. As pessoas perceberam que isso não é esporte apenas para jovens, é uma atividade para a família inteira. Podemos encontrar homens e mulheres com 60 e 70 anos escalando muito bem vias de dificuldademoderada e já existem famílias esca- ladoras comavós, pais e netos escalando juntos. Isso mostra definitiva- mente que a escalada nacional evoluiu em todos os quesitos, até socialmente. Aliás, mais que isso, a escalada bra- sileira amadureceu. REVISTA MONTANHAS | 43 Daniel Rabelais na SaladaMista (Xb), emPetrópolis, 2002 Foto: Antonio Paulo Faria Bernardo Cruz naMassa Crítica (Xc), na Barrinha, Rio, em2008. Foto: Antonio Paulo Faria Antonio Paulo na via Ácido Glutâmico (VIIc), na Urca, em1985. Foto: Arquivo de Antonio Paulo Faria

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