Revista Montanhas Nº 2 Janeiro de 2014

Pode ser que a melhor forma para avaliar a evolução da escalada em um deter- minado país seja a distribuição por dificuldade em forma de pirâmide, cuja base ficam as vias mais fáceis. Entretanto, podemos notar que em nossa distribuição ocorre maior concentração de vias entre VI+ e VIIc de dificuldade, o que pode ser um problema. O ideal é uma quantidade maior de vias fáceis e de dificuldade média (V e VI), porque isso fixa o escalador que está iniciando, dando-lhe mais opções. Este problema é mais grave em outras regiões, como na Serra do Cipó (MG). Mas de qualquer forma, os números da tabela 3 indicam que, de fato, houve grande evolução na escalada no Rio de Janeiro, e, obviamente em todo o país. Tabela 3 – Evolução da graduação de vias no Estado do Rio de Janeiro. PREparação Física Atualmente a evolução da escalada está baseada muito em função da preparação física, em detrimento da evolução técnica, o que pode ser um erro. A técnica tem que vir pri- meiro. Para subir vias acima de VIII é necessária uma carga de treinamento muito elevada, muitas vezes seguida de uma supervisão profissional. Em muitos casos virou treinamento olímpico. Professores de educação física que entendem pou- co ou nada de escalada passam treinamento pesado como se escaladores fossem halterofilistas. Onde entra a evolução técnica nesta história? Essa situação era muito diferente. Até os anos 1980 pou- quíssimos escaladores brasileiros treinavam, e quando faziam, era um treinamentomuito básico. Ser “forte”nos anos 70 e 80, o que significava ter músculos aparentes, não era bem visto pela sociedade elitizada, havia um certo preconceito. Talvez fosse influência da fase hippie, baseada no rock, maconha e relaxamento total. Ou talvez porque engenheiros, médicos e advogados não podiam se parecer com os trabalhadores bra- çais... Academia de ginástica era algo muito raro, marginalizada mesmo. Eu, que nunca gostei de malhar mas tinha natural- mente músculos aparentes, era acusado preconceituosamente de ser um tremendo malhador, ou marombeiro. O Alexandre Portela pode ilustrar bem esta situação, porque foi disparado o melhor escalador dos anos 80 e 90. Mas seu segredo era bem simples, malhava muito mais do que os outros e se dedicava inte- gralmente à escalada, que era a sua vida. Porém, poucos sabiam que ele treinava muito, e não havia nada de errado nisso, mas havia preconceito dentro da própria comunidade escaladora. Malhar para escalar era qua- se igual trapacear! Bem, isso ocorria aqui no Brasil. Lembro de uma entrevista no Mountain Voices do Erwin Groger, paranaense naturalizado, dizendo que nos anos 1930 ele se preparava para escalar na Europa fazendo 100 flexões na ponta dos dedos, muitas abdominais e muitas barras. Ou seja, era um treinamento tipicamente militar mas que torna hoje uma pessoa apta a subir uma via de pelo menos VIIa. No final dos anos 80 melhoramos um pouquinho este tipo de treinamento, colocando cargas para fazer barras, além de fazer barras em portais para fortalecer os dedos. Raramente alguém fazia alguma coisa diferente, mas também havia es- paço para alguma criatividade e improvisação. Quando eu era estudante e viajava de ônibus para ir à universidade, ou trabalhar, levava cerca de duas horas indo e vindo em coletivos invariavelmente cheios. Então aproveita- va para malhar. Viajando em pé, como gado, segurava naque- las barras no teto somente com um dedo, sempre fazendo pressão para baixo. Quando o antebraço “tijolava”, adicionava mais um dedo... depois mais um dedo e assim sucessivamen- te. Às vezes pegava motoristas malucos que entravam nas curvas com o pé lá no fundo e o treino ficava ainda melhor e mais emocionante, porque eu tinha que travar mais forte na barra. Mas alguns passageiros reclamavam - “O MOTORISTA, SUA MÃE NÃO ESTÁ AQUI NÃO!” - Também malhava as pan- turrilhas fazendo flexões nas pontas dos pés, mas isto só valia quando o ônibus estava cheio, vazio seria“pagar mico”. Enfim, era uma hora de malhação diária e isso fazia efeito! Correr? Nem pensar! Isso era coisa de jogador de futebol. Muitos anos depois fui descobrir a importância dos exercícios aeróbicos (qualquer um) para diminuir a ação do ácido lático, aquele que juntamente com as toxinas no sangue fazem o seu antebraço tijolar rapidamente. Alongamento? A primeira pessoa que vi fazer isto foi o Marcello Ramos, da Equinox, em Sérgio Tartari fazendo uma das primeiras repetições da Ácido Lático (VIIa), na Urca, em1983. Foto: Predrag Pancevski

RkJQdWJsaXNoZXIy NjI2Mjg=