Revista Montanhas Nº 2 Janeiro de 2014

REVISTA MONTANHAS | 33 Por Filipe Careli Colunista RevistaMontanhas Ilustrações deMike Clelland Medo Q ue escalador nunca sentiu aquele frio subindo na espinha, o coração pulsando na gargan- ta, as pernas tremendo como se incor- porassem o Elvis e os equipamentos tilintando como os sinos das cabras alpinas? A melhor definição desta sen- sação nos foi dada por um trapalhão: Ai que medA! Esta sensação ou estado de espírito é inerente ao ser humano e provavel- mente veio no mesmo pacote que o extinto animal. Omedo é um dos gran- des responsáveis pela nossa sobrevi- vência, pois assim como a dor nos avi- sa que há algo errado internamente, o medo diz que algo muito errado pode acontecer. Existe uma máxima que diz que “O homem sem medo morre mais cedo.”, e não estamos falando do De- molidor. Esta ideia também se aplica na escala- da: Sem o medo podemos não avaliar corretamente os riscos e nos colocar em situações que podem ser até fatais. Tem sempre alguém que evoluiu rápi- do demais, tornou-se corajoso demais e acabou traumatizado ao tomar uma vaca gigante ou passou meses com aquele gesso no pé. Porém escalar é assumir riscos. Assim como o medo pode nos tra- var em uma hora necessária, também pode fazê-lo na hora errada, preju- dicando o nosso desempenho. Se o medo é bom para evitarmos situações vitais, o excesso dele é prejudicial para evoluirmos no esporte. Você já se viu congelado no meio da via? Sabia que o próximo lance era possível, mas o medo de cair foi maior e acabou desescalando ou segurando nas proteções? Se não enfrentarmos este sentimento, dificilmente estare- mos aptos a evoluir no esporte. Émuito comum ver pessoas que já escalam há anos, mas praticamente não guiam ou que escalam sempre as mesmas vias que já conhecem ou somente o estilo de via no qual se sentem confortáveis. Eric J. Hörst, em seus livros sempre aponta que o escalador completo precisa trabalhar as habilidades fí- sicas, técnicas e mentais na mesma proporção. De nada adianta ter o antebraço do Popeye com a coragem do Scooby-Doo ou a negatividade do DomQuixote. O da Clementina, não o dos moinhos de ventos. Baseado nos trabalhos do autor já cita- do, escrevo resumidamente aqui dicas para lidar com alguns medos comuns dos escaladores: Se o seu medo maior é o da queda, procure treiná-la gradativamente em situações seguras. Vá para uma via E1, de preferência não positiva (não vai ser legal se ralar todo) e adote o estilo “Se Joga!”. Treine primeiro quedas curtas e gradativamente aumente-as para acostumar corpo e mente a sensação. As primeiras vezes são difíceis, mas é assim com tudo na vida. Se o seu principal medo é o de falhar durante a via, não se cobre tanto. Um mal desempenho durante um dia não quer dizer que você é um mal esca- lador. Todos tem dias bons e ruins na rocha, tirando Chris Sharma. Muito comum também é nos preocuparmos demais com o que os outros vão pen- sar do nosso desempenho, por isso são tão comuns as desculpas que damos ao não mandar uma via (lembra da úl- tima edição?). Você é o que é, não o que pensam de você. E por último, não chegue no pé da via já pensando no pior. Tem pessoas que sofrem dias pensando na escalada do fim de semana e já chegam na base pensando na vaca. Queda na certa! Pense em outra vaca, aquela do chur- rasco que você vai dar ao mandar o seu projeto! Aprenda a relaxar e a não so- frer antes da hora. F inalizando a seção auto-ajuda, não importa a forma como você vê a sua escalada, divirta-se. Não se cobre tanto, aquele frio na barriga é normal, principalmente após grandes quedas ou longos pe- ríodos sem escalar, mas lide com o medo damelhor forma possível para alcançar o seus objetivos no nosso esporte, sonhos, cadenas e cumes. Você não precisa se tornar um Dean Potter, mas afinal você é um homem ou um rato? Estou sentindo cheiro de queijo!

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