Revista Montanhas Nº 2 Janeiro de 2014
30 | REVISTA MONTANHAS O primeiro pontão que subimos foi o Pico Preto, próximo ao POIT, por uma via chamada Pirajá (3º IVsup, 85 m), nome alusivo às chuvas passageiras tão comuns na Trindade e no meio do Oceano Atlântico de uma maneira geral. De tão rápidas, vale a pena sentar e esperar que elas passem e continuar escalando depois que a rocha seque. O problema é que neste dia choveu nada menos do que oito vezes, e no final a pedra já não estava mais secando, portanto resolvemos seguir para o topo assim mesmo. Esta foi a única escalada em que o Ricardo nos acompanhou, e a descida foi feita em um único rapel de 60 m bem esticado em direção ao ponto onde o chão está mais próximo. Depois partimos para uma tentativa no Monumento, o maior e mais espetacular pon- tão da Trindade, situado no ponto mais distante do POIT, a praia do Noroeste. Só que, após cerca de 60 m de escalada assustadora devido aos grandes blocos soltos e à infinidade de grandes aranhas, caranguejos e baratas (!), acabamos desistindo, pois o pouco tempo disponí- vel nos fez temer que talvez não conseguíssemos terminar a via a tempo. Após um penoso retorno a pé pelo interior da ilha, que nos consumiu dois dias de carreto e um terceiro descansando, voltamos nossa atenção para o Obelisco, uma agulha que parece saída de um livro dos Alpes europeus, trocando-se o branco da neve pelo verde de uma vegetação rala que cresce naquela pedraria inóspita. A escalada do Obelisco foi excepcionalmente fácil (2º II) graças ao número e ao tamanho das agarras, e o seu cume é uma aresta finíssima, de cerca de 15 m de extensão, aonde fomos cada um de uma vez. O nome da via, A Última Cabra, lembra as centenas de cabras que estavam dizimando a vegetação e até a fauna nativa da ilha, e que em boa hora foram abatidas sistematicamente por atiradores de elite da Marinha. O terceiro cume que conquistamos foi o Pico da Vigia, também próximo ao POIT e colado no Pão de Açúcar, a ter- ceira das “Três Mais” da ilha (juntamente com o Monumento e o Obelisco) e que já fora subida por escaladores militares. A via que escolhemos, A Magia do Tempo (2º V, 125 m), co- meça com uma longa sequência de lances fáceis entre bons platôs, e termina em uma “rolha” mais íngreme com fendas impecáveis e lances mais técnicos, sempre com proteção à prova de bomba. Gostamos tanto do Pico da Vigia que no dia seguinte retornamos a ele para abrir Castelo de Cartas (IV, 50 m), na face oposta à que havíamos subido na véspera. Como não podíamos esperar mais um mês e meio pelo próximo navio da Marinha, contratamos um veleiro oceâ- nico para nos buscar, e como este estava atrasado, devido aos fortes ventos contrários, aproveitamos para escalar dois dias nas excelentes fendas do Morro da Bandeira, a eleva- ção mais próxima do POIT e que, como o seu nome sugere, ostenta um grande pavilhão nacional no seu topo, que é fa- cilmente acessível por caminhada. Abrimos ali nada menos do que cinco vias muito boas, com dificuldade entre IV e V e com extensão média de 50 metros. Na manhã do terceiro dia acordamos com a visão do Planckton, o nosso veleiro, enfim fundeando em frente ao POIT, e na tarde do dia seguinte embarcamos para a longa viagem de volta. Foram cinco dias de enjoo e vigília constan- te, que nos proporcionaram, em contrapartida, uma experi- ência nova e também intensa: velejar no meio do oceano, entre vagalhões e aves marinhas, e a presença ocasional de baleias-jubarte, dando saltos à nossa volta! Escalar na Ilha da Trindade foi uma aventura completa, daquelas que não se esquece jamais. Fotos nesta página: André no cume do Obelisco (Foto - Miguel Freitas) a segunda foto, Sandro na via Moby Dick, Morro da Bandeira (Foto - André Ilha)
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