Revista Montanhas Nº 2 Janeiro de 2014
combine a partir de qual costura você irá cair (sugiro que seja a partir dos 8 ou 10m pois menos que isso você não fica com tanto medo - justamente o que queremos enfrentar - e temmenos corda pra te amortecer). Saiba se as proteções da via são novas. Quem colocou. Tudo isso pode parecer trivial, mas na hora em que você está lá em cima enfrentando seus dragões, em vez de cuspir fogo eles vão cuspir todas essas dúvidas pra cima de você. Portanto, se você tem resposta para todas as per- guntas que o dragão te lançar, maiores são as chances de você conseguir esquivar. Vá pouco a pouco. Se quiser, quando chegar à primeira costura, peça para seu seg retesar e sen- te-se, para testar que está tudo bem com o sistema. Quando chegar na altura que você escolheu para tomar a primeira queda, olhe para seu seg, certifique-se que ele sabe que você irá cair. Clipe a corda quando a costura estiver um pouco acima da cabeça. Se precisar, peça para ele recolher corda, assim, você só cairá o tanto que a corda esticar. Suba um pouco até a corda fazer uma barriguinha, e se jogue novamente. Enquanto você não estiver totalmente confortável para se jogar, não suba mais e continue pulando da mesma altura. É importante que você não pule etapas, pois isso pode não ajudar no combate aomedo. Então, após várias quedinhas pequenas iguais, quando estiver totalmente confortável com aquela barriguinha de corda (note que você estará até agora praticando queda de toprope) suba e aumente a barriga da corda, e repita o processo. Quando estiver confortável com a queda (ou seja, estiver se jogando tranquilamente SEM HESITAR) suba mais. Logo você estará com a corda na altura da cintura, e aí as coisas começam a ficar interessantes. Observando os grandes nomes da escalada como Adam Ondra, Chris Shar- ma ou Dani Andrada, eles também não gostam de cair. Eu já vi um vídeo do Dani Andrada pegando na costura e gritando“Pillaaa” (retesa). Já vi o Dave Graham pe- gando na costura na terceira chapa de uma via, ao vivo (foi ummisto de decepção e alívio). Mas treino é treino, jogo é jogo. Quando eles entram para a cadena, eles ficam suscetíveis a quedas, mas focam tanto nos movimentos que a queda não os importa: eles sabem que estão seguros por mais alto que possam cair, e então, eles simplesmente escalam. É esse foco que você está buscando. Quando só existe a próxima agarra e o movimento. Neste momento é importante que você esqueça um pouco do treino de (e da palavra) quedas, e foque nos movimentos da via. Coloque-se pequenas metas: “Vou bater 1, 2, 3 Salve Eu! Naquela agarra e pular”. E vá subindo e pulando. Quanto mais você focar na agarra, menos você pensa na queda. Ou não pense em nada, simplesmente caia. Neste momento caso você não tenha tido muitas experiências de vacas em sua carreira de escalador, é quando você aprende sobre “aterrissagem”. Pode até segurar na corda, mas aprenda a se virar como um gato e a cair em pé. Caia com as duas pernas pra frente e os joelhos semiflexionados para amortecer o pouco (ou quase nada) de impacto que possa vir a ter. Eventualmente suba uma costura e continue caindo da altura que estava caindo antes. Se der me- dinho, reduza um pouco a altura da queda. Quando estiver caindo com a costura no pé tranquilamente, você terá alcançado um nível de consciência, foco e atenção que dragão nenhum poderá lhe tirar. Você perceberá que mesmo pulando com a costura no pé num determinado ponto, na próxima costura não é tão fácil. Mas também já não estará sendo tão difícil superar-se chapa a chapa. E atenção! É importante cair sempre. Não adian- ta fazer esse treino hoje e ficar 6 meses sem voar. Por isso, sugiro que esse treino seja feito todo começo ou fimde treino (ou dia de escalada). Caso você não queira ficar tomando pulos com a costura no pé toda vez, existe um“aproach”um pouco mais tranquilo antes de se meter a tomar grandes voadas. É o chamado “Clipa-e-Cai”. Você basicamente guia até 8 ou 10m e quando clipar a costura, imediatamente, sem pensar, sem olhar pra baixo, sem hesitar, se joga. Volta, vai até a próxima costura, clipa, e novamente sem hesitar, se joga imediata- mente. E vai repetindo isso em todas as costuras até a parada da via. Num primeiro momento você pode clipar com a costura na altura da cabeça, e se estiver tranquilo faça com a costura na altura do peito ou cintura. Nesse método, não é o quanto você cai que importa, mas sim, que caia em todas as proteções, pois conforme vai ficando mais alto vai ficando mais difícil se jogar e você vai se acostumando com a queda em si. É um bom treino pra ir se preparando para as quedas maiores ou de mais alto. O papel do Seg Enquanto você está lá em cima superando seus medos e não acreditando que agora você consegue pular com a maior naturalidade com a costura no pé e alçar vôos de 3 a 5 metros, é importante que seu seg faça você se sentir como se esti- vesse caindo numa piscina de plumas. Para isso, não basta ele travar a corda para que você não chegue ao chão quando cair. A função do Seg vai muito além e na verdade seu papel é fundamental para que você consiga continuar se sentindo seguro. Ele tem que ter o feeling para não te dar mais corda quando você ainda está assustado, e deixar aquela barriguinha quando você já estiver pulando com a costura no pé e com corda na mão. Caso contrário as premissas do treino de “estou seguro” e “estou no controle” são quebradas e você vai pensar que toda vez ele vai te dar uma barriga de propósito porque ele “acha” que como você está com medo, se ele te fizer cair mais, vai estar te fazendo um favor. Só que acontece justamente o contrário e neste caso este seg já não servirá mais, pois o dragão estará alimen- tado por muito tempo e a confiança no seg abalada. Por isso é fundamental que seu seg conquiste sua confiança desde o começo e lhe faça a segurança dinâmica. Isso significa que quando o escalador cai, o seg dá um pulinho no “Timing” certo, deixando-se puxar para cima pelo movimento do escalador em desaceleração. É bem naquela hora que a corda começa a esticar e a frear o escalador. Nesse mo- mento o seg, que semiflexionou os joelhos quando, muito atento, percebeu a que- da iminente, dará um pulinho. Fazendo isso, a queda do escalador será muito mais suave e a desaceleração muito mais sutil. Isso deve ser feito em todas as quedas, em todas as escaladas. As únicas exceções são quando o escalador está entre as primeiras proteções e uma queda maior pode representar um risco de “dar chão”, ou ainda, mesmo estando alto, bater em algum platô no meio da via. Este efeito é natural quando o seg é muitos quilos mais leve que o escalador (tipo uns 20). Quando ambos tem o mesmo peso, ou o seg é mais pesado, é importantíssimo que este produza este efeito (através do “pulinho”). Cabe ressaltar também que a menos nas exceções citadas acima, o seg JAMAIS deverá retesar corda e sentar durante a queda do escalador pensando que assim ele cairá menos. Isso o puxará na direção da costura e poderá acarretar num pé torcido ou algo pior ao se chocar contra a parede. Adapte Muito bem, agora você já sabe alguns truques novos para poder evoluir na escalada, ponha emprática! Mas não se esqueça: você deve adaptar tudo isso para a sua realidade, seu corpo e seu dragãozinho. Vá sentindo o que funciona melhor pra você e como você vai reagindo aos métodos. A única coisa que não varia de método pramétodo é o nível de segurança, o partner check e a confiança no seu seg. De resto, que tenhambons vôos e que a força esteja com vocês. REVISTA MONTANHAS | 21
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