REVISTA MONTANHAS Nº 1 SETEMBRO/OUTUBRO 2013
A arte de subir montanhas pode-se dividir em duas principais correntes: a escalada es- portiva e a de aventura. A escalada esportiva é caracterizada principal- mente por ser segura, em locais de fácil acesso e pa- redes não muito grandes, onde se busca principal- mente a dificuldade técni- ca. A escalada de aventura se caracteriza por ser reali- zada em um ambiente de montanha, onde a seguran- ça não se baseia apenas em equipamentos e proce- dimentos, mas num real conhecimento dos limites individuais frente às dificuldades. Cada escalador desenvolve a sua maneira de lidar com os pro- blemas impostos pela parede, podendo ser grande ou pequena, de rocha ou gelo, ao nível do mar ou em grandes altitudes, não importa: o que vale é o exercício criativo. Para escalar uma grande montanha, uma via esportiva ou até mesmo um pequeno bloco de rocha, a criatividade é uma ferramenta impor- tante para solucionar os problemas e dificuldades da escalada, pois sem isso a escalada passa a ser apenas um mero exercício físico e repetitivo, onde qualquer pessoa, treinada e persistente, pode exe- cutar a sequência de movimentos e assim seguir ao topo. Atualmente observa-se uma massificação do esporte, onde cordas fixas ou agarras marcadas fa- cilitam o “sucesso” e matam a verdadeira essência do montanhismo, onde prevalece a criatividade de lidar com situações extremas. Na escalada esportiva, a aventura está emdesco- brir os lances um a um e ir resolvendo“a vista”cada passada, encontrando o melhor posicionamento, o ponto de equilíbrio, a força e a pressão necessária para cada movimento. Enquanto o escalador tra- balha a via, a fim de fazer a “cadena”, vai refinando sua movimentação e a cada entrada, melhorando sua percepção da via. Algumas linhas são extrema- mente estéticas e exigem técnicas apuradíssimas e quando são escaladas, o conjunto corpo e rocha, tor- nam a movimentação linda, plástica e fluente, a tal ponto de ser considerada uma expressão artística. O mesmo acontece na montanha, onde reina a aventura. Lidar comos elementos naturais, escolher a melhor rota, a maneira mais prudente e ao mes- mo tempo mais próxima do limite pessoal, criando uma escalada justa com o ambiente, é uma experi- ência incrível. Nesse jogo, a criatividade novamente é uma peça fundamental. A montanha com suas arestas afiadas, curvas sinuosas, paredes verti- cais e fendas perfeitas, por si só já são uma obra de arte e percorrer esses caminhos, faz do esca- lador um artista, tateando cuidadosamente cada saliência, buraco ou fenda e de pouco em pouco, galgando seu ponto mais alto. Assim como pintar um belo quadro ou compor uma boamúsica, uma primeira ascensão é a expres- são mais pura dessa arte. Traçar um caminho nunca feito, escolher uma linha estética e movimentar-se de acordo com as possibilidades e nuances da pa- rede, usando a criatividade ao máximo, é uma ma- nifestação artística. Uma nova via na montanha ou falésia revela a personalidade do escalador, além do seu modo de lidar com as dificuldades, sua forma de se relacionar com o ambiente e principalmente sua maneira de sentir e deixar-se envolver tecnicamente pelos grandes espaços naturais. É durante a escalada de uma via, onde ninguém passou, que a aventura torna-semais justa e real e o exercício da criatividade se sobressai, criando assimas obras de arte. Todos podem escolher a sua forma de se mani- festarem na vertical, onde prevalece a liberdade de expressão. Óbvio, porém necessário dizer, que nem todas as vias, assim como em outras artes, serão de qualidade, muitas não passarão de meras có- pias ou escadas de grampos e nunca se tornarão clássicas. Pode-se escolher entre ESCALAR ou apenas subir, se agarrando a facilidades, como cordas fixas e agarras marcadas e assim se puxan- do parede acima. Uma bela obra de arte é aquela que foge dos padrões, que sai do clichê, que mos- tra através de sua manifestação, um novo conceito ou um novo limite. Importante entender que o conhecimento técnico adquirido em situações reais, a consciência corporal, o treinamento, o entendimento de seus limites, o aperfeiçoamento e atualização constante do apren- dizado, aliados à troca de experiências, viagens e lite- ratura específicas, proporcionará umamaior gama de parâmetros, alternativas e ferramentas. Com isso, a criatividade pode fluir harmoniosamente, resultan- do em obra prima dos mais ousados, que sempre dispostos a aprender, serão exímios autores de no- bres expressões artísticas nas paredes. A escalada é uma manifestação de criatividade. Ver a montanha ao longe e criar um traçado possível de acessar o ponto culminante, é um exercício de imaginação. O montanhismo é muito mais que um simples esporte, é uma manifestação artística, desenvolvida por escaladores. Cada um a sua maneira ao interpretar e flertar com o desconhecido e assim transformar a experiência em aprendizado, criando uma obra de arte, muitas vezes não física, mas na memória de cada indivíduo. Por Daniel Juliano Casas Colunista RevistaMontanhas Daniel conta com o apoio das empresas: Salamandra Escola de Montanha, Hard Adventure, Resseg e Jurapê Equipamentos para Aventura. Arte realizada sobre foto: Cláudia Baartsch 52 | REVISTA MONTANHAS
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